Nossa análise sobre crítica do The Guardian à Verra

A Systemica é uma empresa comprometida em desenvolver projetos com alto nível de integridade ambiental, além de gerar impacto social positivo e contribuir para a manutenção da biodiversidade. Para nós, a análise publicada no dia 18 de janeiro de 2023 no The Guardian opta por uma crítica extrema, baseada em evidências científicas pouco robustas. Nosso time de cientistas analisou rigorosamente toda a documentação apresentada, e concluímos que a investigação é uma oportunidade perdida de ampliar o debate necessário a respeito da importância do mercado voluntário de carbono e possíveis melhorias metodológicas.

No dia 18 de janeiro, o The Guardian publicou um artigo criticando a quantificação das reduções de Gases de Efeito Estufa (GEE) de projetos em andamento registrados na Verra. Embora seja baseado em fontes de pesquisa respeitáveis, o artigo falha em não apresentar as limitações dos modelos usados pelos pesquisadores. Uma análise superficial dos estudos científicos apontados mostra que os autores estão cientes dos pontos fracos nas conclusões e metodologia de seus estudos, o que leva à conclusão inevitável de que o material escolhido pelo The Guardian não consegue embasar as acusações contra a Verra. 

Especificamente, a manchete de que “mais de 90% dos créditos de carbono da Verra são inúteis” não está em nenhum dos estudos mencionados no artigo. Na verdade, essa conclusão se baseia em uma análise do próprio veículo. Eles chegaram a essa conclusão usando os resultados de 2020 e 2023 do artigo escrito por Thales A. P. West et al, com uma amostragem de 29 projetos REDD+. Estender a mesma conclusão a todo o programa VCS é uma distorção flagrante, e a premissa de que a metodologia apresentada nesses estudos acadêmicos fornece um conjunto de dados de análise empírico é ainda mais problemática.

Temos um comprometimento com o mais alto nível de integridade científica nos projetos de mercado em que trabalhamos, e é imperativo que forneçamos nossa perspectiva e contribuição para uma compreensão mais precisa de questões tão importantes.

Antes de tudo, vale frisar que prever o futuro não é uma tarefa fácil. Desenvolver modelos que descrevam adequadamente o comportamento dinâmico de sistemas complexos é um campo de pesquisa exigente e mutável, com muitas considerações científicas e tecnológicas. Em geral, modelos que prevêem comportamentos amplos possuem limitações de escopo e exatidão, que são em grande parte determinadas por pressupostos específicos e a complexidade do sistema em questão. Isso não poderia ser diferente para modelos que prevêem o desmatamento e que são base para a criação da metodologia de projetos que visam evitar o desmatamento não planejado e quantificar reduções de emissões de GEE.

Os resultados de West et al são obtidos por meio de uma abordagem modeladora que usa os chamados grupos de controle sintéticos para gerar contrafactuais que supostamente emulam o que teria acontecido nos locais caso os projetos REDD+ não existissem. Esses controles sintéticos são áreas de amostra distribuídas pelo país onde o projeto está localizado para corresponder a algumas características espaciais específicas. Para produzir um contrafactual, os controles são ponderados estatisticamente, para que suas taxas médias históricas de desmatamento sigam a mesma linha das taxas observadas no entorno do território de cada projeto.

A capacidade de previsão desses controles é julgada pelo quão bem eles conseguem reproduzir a curva de desmatamento dos projetos. Se essa descrição for satisfatória, o grupo é adotado como o padrão a ser utilizado no momento de determinar o cenário base para o local do projeto. 

Em grande parte dos projetos examinados, o modelo de controle sintético produz compensações de carbono mais baixas do que as reivindicações dos proponentes do projeto, que desenvolveram suas linhas de base a partir das metodologias da Verra. Os créditos de carbono que correspondem a essa divergência são chamados de “créditos fantasmas” dentro do artigo do The Guardian.

Entretanto, os modelos de VCU em projetos que evitam o desmatamento não se baseiam apenas em modelos estatísticos. As estimativas de base precisam ser apoiadas por uma descrição consistente e robusta da dinâmica subjacente ao desmatamento, pensando em termos de agentes e características locais. Entender essas dinâmicas é crucial para fazer previsões concretas, pois permite identificar as variáveis relevantes que explicam os padrões de desmatamento na região do projeto e a evolução a longo prazo. Modelos que utilizam controles sintéticos têm uma limitação significativa por serem incapazes de capturar de forma precisa a correlação entre padrões de desmatamento e as interações complexas de agentes locais nas áreas do projeto.

Novamente, é importante destacar que os autores dos artigos citados, que expressam preocupação legítima com a integridade do programa VCS, estão cientes dessas limitações. 

Os jornalistas também analisaram os resultados de um método contrafactual alternativo descrito por Guizar-Coutiño et al (2022). A abordagem é semelhante ao modelo de controle sintético, mas usando de forma alternativa uma seleção de pixels que representam áreas de floresta em imagens de satélite, que funcionam como controles com atributos espaciais correspondentes aos da área de floresta inicial do projeto REDD+. Esse conjunto de pixels é utilizado como um modelo para estimar o desmatamento esperado no local do projeto caso o projeto REDD+ não existisse. Entretanto, como os pixels estão espalhados por uma região muito maior, esse método também falha na hora de fazer correlações entre agentes locais. Desta forma, essa questão não fornece embasamento para desacreditar as metodologias adotadas pela Verra que, apesar de imperfeitas, são sempre baseadas em dados localmente correlacionados.

Guizar-Coutiño e os demais autores do artigo científico utilizado pelo The Guardian não comparam compensações reivindicadas pelos proponentes do projeto calculadas usando esse modelo. Os autores também deixam claro a discordância entre os resultados obtidos por eles (mais otimistas) e os resultados da pesquisa de West e colaboradores de 2020 ao comparar estimativas base para 19 projetos analisados em ambos os estudos. Mesmo assim, eles expressam apoio ao modelo REDD+.

Os jornalistas compararam as taxas de desmatamento calculadas pelo modelo proposto por Guizar Coutiño et al com informações disponíveis no banco de dados da Verra para 32 projetos REDD+, e concluíram que as perdas florestais previstas foram inflacionadas em uma média de 406%. Eles não revelaram como chegaram a esse número. Mais uma vez, essa informação foi baseada em uma suposição questionável de que o método de controle baseado em pixels descreve com precisão o que teria acontecido em um determinado local de projeto, ao contrário do que aconteceria utilizando o modelo sintético. Na verdade, ambas as abordagens possuem limitações. 

Atualmente, a Verra está conduzindo uma revisão completa de suas metodologias AUD. Esse processo, apoiado por especialistas e consultas públicas, visa melhorar os requisitos metodológicos dos modelos de previsão de desmatamento, aumentando a precisão e confiabilidade de seus resultados. Medidas como essa mostram o esforço contínuo da Verra em aumentar a integridade dos projetos AUD, e estão em consonância com nossas aspirações por um mercado de carbono saudável e próspero.

O mercado de carbono voluntário é uma ferramenta valiosa no esforço para conter o aquecimento global. Ele permite que empresas e indivíduos compensem suas emissões de carbono investindo em projetos que reduzam/evitam ou sequestram gases de efeito estufa. Esses projetos, como agricultura, energia renovável, conservação florestal e reflorestamento, desempenham um papel importante na preservação do meio ambiente e da biodiversidade, além de promover o desenvolvimento sustentável nas comunidades locais. É amplamente reconhecido que o mecanismo de REDD+ desempenha um papel crucial ao manter florestas em pé, apesar dos problemas identificados na reportagem. A capacidade do REDD+ de reduzir as emissões por desmatamento e degradação florestal e sua capacidade em promover o desenvolvimento sustentável torna-o uma ferramenta importante no enfrentamento das 17 ODS.

Projetos REDD+ têm sido bem sucedidos em proteger florestas ameaçadas e incentivar a biodiversidade, assim como promover meios de subsistência sustentável para as comunidades locais. Além disso, o REDD+ criou incentivos financeiros bem sucedidos na conservação ambiental, essenciais na proteção de florestas em países em desenvolvimento. Embora existam de fato desafios associados a todos os projetos REDD+, é importante frisar que essas questões não são inerentes a projetos REDD+, sendo comuns em qualquer tipo de esforço de larga escala dentro do cenário ambiental. Planejamento adequado, monitoramento e avaliações podem corrigir e superar esses obstáculos, garantindo que essa ferramenta tão importante continue ajudando a conservação e mitigando os efeitos da mudança climática.

Nós também acreditamos que é importante ressaltar que a responsabilidade pela integridade do padrão VCS não é apenas da Verra. Sim, a Verra exige que os desenvolvedores de projetos e Organismos de Validação e Verificação sigam as normas ISO 14064 e 14065 para conduzir com precisão seus projetos e avaliações. As metodologias também foram criadas pelos principais desenvolvedores do mercado, seguindo as orientações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e as orientações da LLUCF (Land Use, Land-Use Chance and Forestry, termo da política climática que organiza as emissões liberadas e capturadas resultantes do uso direto da terra, como assentamentos e áreas comerciais). Esse processo permite que a Verra implemente princípios em comum e garante que todos os projetos utilizem as ferramentas corretas para obter os melhores resultados possíveis. Mesmo assim, há uma grande dependência dos desenvolvedores de produtos para interpretar e seguir de forma correta essas orientações, tomando decisões que façam jus ao espírito inicial da regulamentação. Essa parceria é o que mantém florestas em pé em boas condições de preservação, com a biodiversidade intacta e objetivos sociais cumpridos. 

Na Systemica, estamos comprometidos em manter a integridade ambiental e climática de nossos projetos REDD+. Nos últimos anos, analisamos milhares de áreas na Amazônia legal usando diferentes modelos de previsão e vários tipos de metodologias aprovadas pela Verra. Entendemos que proteger a floresta e mitigar os efeitos da mudança climática são essenciais para um futuro sustentável. É por isso que fazemos questão de seguir padrões e princípios rigorosos em todas as decisões que tomamos. Garantimos que nossos projetos REDD+ são baseados em estimativas realistas, e desenvolvidos de forma social e ambientalmente responsável. 

A Systemica vem automatizando nossas principais metodologias e análises aprovadas no setor de Agricultura, Florestas e Uso do Solo (AFOLU, em inglês). Buscamos amplificar nossos projetos, trazendo agilidade para o monitoramento e processos de verificação e evitando qualquer tipo de erro na hora de estimar e quantificar as reduções de emissões. Estamos comprometidos com a transparência e a prestação de contas, e garantimos que nossos projetos passam por monitoramentos, relatórios e verificações regulares.  

Trabalhamos lado a lado com as comunidades locais e partes interessadas, e acreditamos que essa participação é essencial para o sucesso de nossos projetos. Também trabalhamos de forma próxima com verificadores terceirizados e independentes, que garantem que nossos projetos sempre atendam padrões de excelência em desempenho ambiental e social.

Nós montamos uma equipe interdisciplinar e desenvolvemos parceiros estratégicos para a implementação das atividades de nossos projetos, projetados por meio de tecnologias sociais que abordem as questões mais urgentes enfrentadas pelas comunidades em seu cotidiano. Temos orgulho do impacto positivo que nossos projetos exercem em relação ao meio ambiente, comunidades locais e na luta contra as mudanças climáticas.

 

Referências

West, T.A., Börner, J., Sills, E.O. and Kontoleon, A., 2020. Overstated carbon emission  reductions from voluntary REDD+ projects in the Brazilian Amazon. Proceedings of the National  Academy of Sciences, 117(39), pp.24188-24194. 

Guizar‐Coutiño, A., Jones, J.P., Balmford, A., Carmenta, R. and Coomes, D.A., 2022. A global  evaluation of the effectiveness of voluntary REDD+ projects at reducing deforestation and  degradation in the moist tropics. Conservation Biology, p.e13970. 

West, T.A., Wunder, S., Sills, E.O., Börner, J., Rifai, S.W., Neidermeier, A.N. and Kontoleon,  A., 2023. Action needed to make carbon offsets from tropical forest conservation work for  climate change mitigation. ArXiv Preprint. 

[1] For more details about these concepts visit: https://verra.org/wp content/uploads/2022/12/VCS-Standard-v4.4-FINAL.pdf

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Equipe Systemica

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