A Systemica está presente na conferência, que acontece nos Emirados Árabes
Começou em 30 de novembro a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, a chamada COP28. O encontro reúne 197 países, líderes internacionais, empresários e players dos mercados de ativos ambientais para discutir e desenvolver soluções concretas para combater os efeitos cada vez mais graves do aquecimento global.
O evento acontece em um momento histórico para o cenário climático: pela primeira vez, no dia 20 de novembro de 2023, a média global de temperatura ultrapassou os 2°C de anomalia e atingiu exatos 2,07°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). Ao redor do mundo, ondas de calor, com a intensificação do fenômeno El Niño, mostram a gravidade das mudanças climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa. De acordo com dados do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus, 2023 deve terminar como o ano mais quente em 125 mil anos.
Com o avanço desse cenário, é questionável que as ferramentas que temos até o momento possam de fato limitar o aumento da média de temperatura global a 1,5ºC determinada na criação do Acordo de Paris. De acordo com um relatório recente da Organização das Nações Unidas, os compromissos globais atuais estão aquém do necessário para manter essa meta. A menos que ações mais efetivas sejam tomadas, o aumento da temperatura pode atingir os preocupantes índices de 2,5°C a 2,9°C acima dos níveis pré-industriais.
O mercado de carbono e ativos ambientais ao redor do mundo é importante na mitigação desse cenário, e a COP28 pode trazer oportunidades importantes para a definição metodológica de transações entre países. “Em relação ao artigo 6.4 do Acordo de Paris, que prevê que as partes envolvidas em transações devem promover a integridade ambiental, social e governamental desses mecanismos de mercado, estamos aquém na expectativa de avanço, especialmente pela falta de regulamentação metodológica. Estamos em um processo de consolidação do mercado de carbono, que vem crescendo nos últimos anos, e isso deve ter um papel importante dentro da COP28. Também entendo que movimentos de integridade ambiental, do mercado voluntário, serão relevantes. São ações que começaram no final de 2021 e agora já terão resultados mais robustos”, analisa Munir Soares, sócio-fundador da Systemica.
Ainda sobre o Acordo de Paris, Munir explica que o evento deve trazer outras agendas que possam ajudar na mitigação mais rápida do aquecimento global. “Já em relação às negociações do Artigo 6, espera-se uma conferência menos focada nesta agenda, apesar da expectativa no avanço da adoção das recomendações do Supervisory Body (SB) sobre os Artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris”.
Outra questão é a avaliação do Global Stocktake (GST), que consiste numa avaliação a cada 5 anos das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). “Apesar dos resultados ainda não terem sido divulgados oficialmente, é previsto que as NDCs atuais não são suficientes para atingir os objetivos do Acordo de Paris”, completa Munir.
Fundo de Perdas e Danos do Clima pode ganhar evidência e definição dentro da COP28
Um assunto que deve ser definido com mais precisão durante a COP28 é o Fundo de Perdas e Danos do Clima (Loss & Damage), que foi anunciado pela primeira vez na COP27, no Egito. O fundo foi pensado após décadas de pressão de países vulneráveis à urgência climática, fornecendo assistência financeira às nações que são impactadas diretamente com o aquecimento global.
O termo “perdas e danos” se refere a todas as consequências da mudança climática: aumento do nível do mar, tempestades, ondas de calor, desertificação, acidificação dos oceanos, terremotos e outros eventos extremos. Embora a mudança climática seja algo que afete o mundo todo, existe uma disparidade social e econômica clara: embora os países desenvolvidos sejam os grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, quem sofre mais com as consequências são países em vulnerabilidade climática que não estão na lista de grandes poluidores. De acordo com a ONU, os países do G20 representam cerca de 75% das emissões de gases de efeito estufa. Já o Paquistão, que gera menos de 1% das emissões globais, já registrou US$ 30 bilhões em prejuízos em cheias graves.
De acordo com Munir Soares, a COP28 deve finalmente definir como o fundo de Perdas e Danos pode ajudar esses países que estão sofrendo de forma desproporcional. “Uma série de recomendações sobre o funcionamento deste fundo foram concluídas recentemente às vésperas da COP28, então devemos ter o retorno de como ela será definida”, explica.
A decisão inicial é que o fundo seja alocado no Banco Mundial, com determinadas condições para que seja acessado com facilidade. Já os países em desenvolvimento pedem por um fundo independente, sob a convenção do Clima, evitando a burocracia do Banco Mundial e temendo possíveis intervenções dos EUA. Outra questão que ainda provoca controvérsia é sobre quem irá colocar os recursos. O Grupo G77 mais a China defendem que ele seja financiado pelos países considerados mais ricos, mas o texto que deve chegar até a COP coloca como responsáveis também os países em desenvolvimento que podem contribuir em bases voluntárias.
Mercado Voluntário ganha fôlego e pode ser um dos destaques da conferência
De acordo com Munir Soares, a COP28 deve ter outros focos além da agenda política, como o Mercado de Carbono Voluntario (VCM) e integridade ambiental. Também se espera um movimento maior em relação à ampliação no uso de fontes renováveis até o fim de 2030.
“O mercado voluntário cresceu muito rapidamente até 2022, quando chegou a um volume histórico de transações, e começaram a surgir muitos questionamentos a respeito da integridade desse mercado e quais metodologias poderiam ajudar a regulá-lo. A partir disso surgiram diversos movimentos de resposta, falando sobre integridade ambiental, princípios éticos e governança de comunidades tradicionais. Essa discussão deve avançar na COP28, com uma proeminência importante do setor privado atuando nesse contexto”.
Recentemente, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. O texto foi aprovado em caráter terminativo, dispensando votação em plenário, e deve seguir diretamente para a análise da Câmara. Essa decisão deve impactar o mercado nacional e internacional e ser um ponto de discussão dentro da COP28. “O Brasil está discutindo a sua lei de regulação, e essa lei é importante para os Artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris , por conseguir ajudar no controle das emissões brasileiras e, eventualmente, gerar ativos que possam ser transacionados na comunidade internacional”, completa Tiago Ricci, especialista em direito ambiental e sócio da Systemica.